23.4.08

O Divórcio e a Culpa

A Assembleia da República aprovou um novo regime de dissolução do casamento por divórcio em que desaparece a "culpa" de um, ou dos dois cônjuges, no divórcio litigioso.
O que interessaria eram os "afectos": faltando afecto, não havia razão para a continuidade do casamento
À primeira vista, trata-se de um grande "progresso": nada de culpas, que isso é matéria retrógrada, traumatizante, inventada pela pérfida Igreja Católica com essa história dos pecados que depois são absolvidos...Como se o reconhecimento da "culpa", do erro, não fosse o melhor caminho para a correcção desses mesmos erros!
Sem querer entrar pelos problemas jurídicos resultantes do facto da casamento ser (também e acima de tudo) um contrato civil com regras contratuais que, em caso de incumprimento, deveriam responsabilizar o infractor, as novidades não parecem totalmente ajustadas a algumas realidades sociais.
Há alguns meses atrás, muito se falou em violência doméstica, apontaram-se estatísticas que levaram inclusive a intervenções do Procurador-Geral da República, em que Portugal não ficava muito bem na fotografia europeia.
Então, e se um dos cônjuges--o marido, por exemplo--agredir a mulher, não deve ser considerado culpado pelo fim do casamento( se for esse o caso)?
E o Tribunal não deve decretar a culpa do agressor nesse caso?
Será que o fim da "culpa" não vai encorajar mais umas agressões? Pois, se as agressões deixam de ser valoradas como factor relevante para o divórcio, isso não constituirá "motivação" extra para mais umas bofetadas, uns socos e uns pontapés?

Veremos se, daqui a uns tempos, as estatísticas não revelam um país mais terceiro-mundista e com mais vítimas da violência doméstica.

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3 Comments:

Blogger Ângela said...

Trazer uma coisa tão gravosa quanto a "culpa" para o meio de relações pessoais que, por si só, já estão num ponto de ruptura, não ajuda a resolver um divórcio.
Se é certo que há sempre um mais culpado que outro, arranjar ainda mais uma arma de arremesso entre pessoas desavindas e desejosas de fazer sentir ao outro a mesma mágoa e dor que elas próprias sentem não leva a lado nenhum.
Quem já teve de lidar com divórcios litigiosos, com sessões de tribunal onde toda e qualquer coisa serve para "deitar à cara do outro", saberá e compreenderá que deixar cair o conceito de culpa vai tornar as coisas um pouco mais simples.
Penso que o problema não tem que ser visto aí, mas sim na ligeireza com que um casal parte para uma situação que deveria ser pensada como algo duradouro e, por isso mesmo, amadurecido e bem antevisto. Essa ligeireza é que deveria ser combatida. Mas, como muitas outras coisas, é apenas mais um fruto da actual perspectiva que as pessoas têm da vida. Vivemos numa sociedade "fast-food", em que tudo é fast e tudo é reversível sem qualquer noção de responsabilidade pela própria actuação...

24/4/08  
Blogger Luís Galego said...

questão bem colocada e merece maior reflexão que à partida pode parecer.No entanto, é verdade que só consigo conceber um casamento pautado por relações de amor e que a dado momento se alguêm considerar estar face a uma relação que não o faz vibrar, que constatar que o amor já não mora naquela relação deve se o entender não forçar uma caminhada a dois. O casamento não deixa de ser um contrato, pelo que devem ser acautelados todos os factores, nomeadamente os que se relacionanam com a parte mais fraca, mas convocar a culpa afigura-se-me um pouco medieval....Enfim, modesta e ligeira opinião.
Um abraço

25/4/08  
Anonymous Anónimo said...

Eu acho que o casamento, como todos os outros tipos de contrato, deveria especificar prazos, já não digo que inclua esse periodo à prova que os outros costumam incluir na letra pequena...
Não, isso seria demasiado frio, até porque, espero eu, esse periodo de prova e testes deveria ter acontecido antes da assinatura formal do contrato em causa.
Mas creio que era engraçado, e até saudável, sei lá, que os "papéis do casamento" tivessem um ponto no qual diria algo assim:
--Este contrato estará em vigor por um prazo de 5 anos, concluido o qual, se auto-renovará automáticamente se nenhum dos outorgantes do mesmo dizer nada em contrário.
Mas isso sou eu, que sou uma descrente, vá...

27/4/08  

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