As nossas crianças e o perigo da nossa distracção
todos nós temos esta ou aquela história que recordamos dos nossos rebentos. umas engraçadas, hilariantes, outras comprometedoras ou mesmo vexantes mas todas elas dignas de serem contadas um dia.
não sou dessas mães-galinha que cacarejam sempre que ouvem as palavras "filhos" ou "crianças" mas hoje, depois de um desses eventos, ficou-me uma reflexão sobre essa tarefa árdua que é educar, formar Gente, sem rede, sem manual de instruções.
Lisboa, Av. Fontes Pereira de Melo, junto à saída de uma daquelas clínicas frequentadas essencialmente por grávidas, mães e recém-
-nascidos. num desses entra e sai, sai um pai e um pequenote de 3, 4 anos seguidos de perto pela mãe empurrando um carrinho de bebé, com o respectivo rebento. esta pára, ajeita a cobertura e o pai, logo ali ao lado, puxa de um cigarro e do isqueiro. automaticamente, o André puxa-me o casaco e, de olhos esbugalhados, solta um mãe, tu viste?
claro que já não me ouviu. aproxima-se do pai fumador e diz-lhe o senhor está distraído, não deve fumar ao pé das mães e dos filhos. faz mal...
pensei, é hoje! aí vem o enxovalho!
o pai insultado olha à volta, à procura da culpada do nascimento daquele grilo falante, a mãe sorri e sorri-me, o pai, já de olhar irritado, fixa-me nos olhos enquanto eu espero palavras, isso, palavras.
inconscientemente ou não, esconde o cigarro e o isqueiro na mão e seguem caminho. o André, na sua ainda certeza do errado e do certo, olha para mim e indignado pergunta, ó mãe, aquele senhor é mesmo distraído, não é mãe?
aliviada e inchada de orgulho respondi, é sim, filho! e tu és um lindo!
porquê mãe? és um herói, corajoso. e a inocência responde, ah! isso é porque tenho músculo...
ok, músculo! o coração também é um músculo, certo?
pergunto-me agora e de novo sobre o que deixamos nós que façam às nossas crianças e em que momento da sua, da nossa Vida os perdemos? valores, ensinamentos, alguns, nem todos felizmente, que se vão perdendo, outros substituindo por coisas sem nome, sem fundamento. e tudo mesmo ali, ao nosso lado, à nossa mesa e debaixo do nosso tecto. e um dia, às vezes já tarde, não reconhecemos a criança porque se tornou um jovem, um quase adulto. e estrebuchamos, estendemos as mãos, abrimos o coração, levantamos a voz quando nada mais surte efeito. e é a autoridade, a punição, o castigo... e eles enguias, debaixo da nossa alçada mas desconhecidos. no quarto, fechados obedientemente mas estranhos. à mesa, comendo com propósitos mas de olhos baixos, escondido o olhar e a Alma.
o tempo, o trabalho, o tempo, a carreira, o tempo, a responsabilidade, ufa! a deles, a nossa...
e às vezes basta tão pouco... no outro dia, num intervalo, uma aluna veio ter comigo e diz-me, ó setora, a setora que já é quase nossa mãe, diga-me lá o que hei-de fazer... namoricos, troca de mensagens mais demoradas, enfim... perguntarão, a que propósito? quando se lida com adolescentes, não há razões, há partilha e crescimento mas, por acaso, o aconselhamento teve origem num debate sobre a utilidade do telemóvel e as novas tecnologias em geral, tema de um texto estudado em aula. tudo isto acrescido da filosofia inerente aos cursos profissionais, formação individual, etc., etc..
naturalmente que lhe fiz ver que uma mãe seria sempre uma mãe, e o bláblá do costume... ela responde-me, eu sei, setora mas passamos o dia inteiro na escola, chego a casa à hora do jantar, os meus pais muito tarde, tenho um irmão mais novo, depois é a novela, as notícias... não temos tempo para falar. claro, tinha de ser!
o tempo, sempre o tempo. só peço a Deus força e clarividência suficiente, não para ser uma mãe heroína que essas devem ser muito chatas mas, pelo menos, atenta e com tempo. porque me orgulho do que tenho instituído como valores, como princípios - e ainda que isso me obrigue a correr o supermercado para o André arrumar o pacote de batatas fritas que alguém esqueceu no meio das bolachas, (pois é assim mesmo!) ou a corar de vergonha quando saía da casa-de-banho do colombo depois de ele ter cantado o hino nacional 2 ou 3 vezes enquanto esperava...
tomara que ele nunca se esqueça da letra, se me faço entender, ou melhor, que eu esteja sempre atenta não vá ele esquecê-la... :-))
Etiquetas: crescimento, crianças, Futuro
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