10.7.07

Lobo Antunes

A TSF tem, há muito, um excelente programa de entrevistas que ouço sempre que posso. Chama-se "Pessoal...e Transmissível"e passa de segunda a sexta. Tem disponível uma entrevista a Lobo Antunes, feita há algum tempo, que vale a pena re(ouvir). Aqui.
  • "O que é um bom livro, António Lobo Antunes?"
  • "É um livro que foi escrito só para mim."

Etiquetas: , ,

1 Comments:

Blogger Zénite said...

Bolero do coronel sensível
que fez amor em Monsanto


Eu que me comovo
Por tudo e por nada
Deixei-te parada
Na berma da estrada
Usei o teu corpo
Paguei o teu preço
Esqueci o teu nome
Limpei-me com o lenço
Olhei-te a cintura
De pé no alcatrão
Levantei-te as saias
Deitei-te no banco
Num bosque de faias
De mala na mão
Nem sequer falaste
Nem sequer beijaste
Nem sequer gemeste,
Mordeste, abraçaste
Quinhentos escudos
Foi o que disseste
Tinhas quinze anos
Dezasseis, dezassete
Cheiravas a mato
À sopa dos pobres
A infância sem quarto
A suor, a chiclete
Saíste do carro
Alisando a blusa
Espiei da janela
Rosto de aguarela
Coxa em semifusa
Soltei o travão
Voltei para casa
De chaves na mão
Sobrancelha em asa
Disse: fiz serão
Ao filho e à mulher
Repeti a fruta
Acabei a ceia
Larguei o talher
Estendi-me na cama
De ouvido à escuta
E perna cruzada
Que de olhos em chama
Só tinha na ideia
Teu corpo parado
Na berma da estrada
Eu que me comovo
Por tudo e por nada


(António Lobo Antunes)
_________



Balada triste da mocinha
vitimada pelo coronel sensível


Sim, quinze anos tinha
no seu corpo em brasa
a infeliz mocinha
que não tinha casa.
Tinha tranças d’oiro
e a pele alvacenta,
tu foste o primeiro
a arrastar-lhe a asa
naquele Janeiro
dos anos setenta.

Ela pai não teve
sequer tinha mãe
não tinha sapatos
não tinha vestidos
não tinha ninguém,
só dias sofridos.

Não havia lua
não havia estrelas
e não tinha abrigo,
a casa era a rua
da pobre donzela
que não tinha amigos.

O seu corpo grácil
de pele de alabastro
jamais resvalado
não tinha cadastro
mas foi presa fácil
dum lobo esfaimado.


Se um dia voltares
à estrada velha
no negrume agreste,
detém-te e descobre-te,
acende uma vela.

Verás numa faia
- ou “feral cipreste”? -
a seta-coração
bem como a mensagem
que a bela catraia
em aflito pranto
no tronco entalhou
nessa noite túmulo
do seu corpo espanto.
Verás, para cúmulo,
que foste o primeiro
e também o último
a dar-lhe dinheiro.


(Zénite)


NOTA: a expressão “feral cipreste” foi retirada de "O Noivado do Sepulcro", de Soares de Passos.

=========

Gostei da exposição dirigida à ministra da Educação por uma mui digna Professora. A ministra não a vai entender, mas alguém lha há-de explicar.

Abraço.

24/7/07  

Enviar um comentário

<< Home