A Sara e o programa Erasmus (II)

Conforme se escreveu aqui, a Sara encontra-se na Suécia ao abrigo do programa Erasmus. Dá-se hoje conta das impressões que lhe vão deixando o país e as gentes.

• Em Estocolmo andar ou viajar sem pressa é coisa rara, muito rara. Anda toda a gente a mil! O perigo nas ruas, não é ser assaltado nem morrer atropelado de carro, é antes morrer atropelado de bicicleta, parecem foguetões a passar pelos peões! Há mais bicicletas que pessoas! Toda a gente anda de bicicleta, nem que esteja um frio de rachar, nem que haja neve! Razões: é ecológico, ocupam pouco espaço no estacionamento, estacionam-se em qualquer lado, é mais rápido (em hora de ponta) que andar de carro, e a mais importante: não se gasta dinheiro em gasolina nem em parqueamento! Sim, porque eu nunca vi gente tão agarrada ao dinheiro como eles! Eles vivem quase só para o trabalho! É comum terem mais que um emprego! Mas gostam de dar uma caminhada ou corrida pelos enormes parques no fim-de-semana!
  Outra coisa que me faz confusão é eles dormirem muito pouco , 4 horas de sono é bastante para eles! Também aos cafés e chás que eles tomam por dia… não admira! Bebem mais de 10 por dia! Eu costumo dizer: sueco que é sueco vai para o trabalho de bicicleta, leva mochila nas costas, calça uns tenis e numa das mãos leva o café ou chá!
  Eu não gosto de café, e chá também não ligo, mas já tive que me render ao chá porque realmente a única maneira de aquecer é tomar uma coisinha bem quente!
  Por falar em frio, já lá caiu um grande nevão (grande para nós Portugueses, porque para eles aquilo foi só uma amostra). Só nevou um dia inteiro, mas a neve permaneceu durante uma semana e meia. Isto porque a temperatura nunca varia muito, anda sempre por volta dos -4! Agora, antes de vir a Portugal, já estava insuportável andar na rua sem luvas, gorro e cachecol! Nos dois últimos fins-de-semana em que saí para dar uma volta pela cidade, tive que regressar a casa mais cedo porque não conseguia suportar tanto frio! Não se podia andar na rua! Nem quero ver quando chegarmos aos -15/-20ºC!
  Nas principais estradas do centro da cidade eles têm tubos de aquecimento debaixo das estradas e passeios para a neve derreter!
  Em meados de Janeiro, os lagos congelam e as pessoas atravessam-nos (quer a pé ou de carro), para além de também servirem para praticar patinagem
  Quanto ao sistema de transportes é bastante bom! Pontuais, frequentes, e o mesmo ticket dá para metro, autocarro, comboio…
  Quanto à comida, nem sei o que dizer a não ser que a nossa é muito, muito melhor! Eles estão mais virados para umas saladinhas, muitos molhos e pastas de peixes!
  Foi interessante ver que na universidade onde estou eles não têm cantinas; em vez disso têm salas enormes cheias de frigoríficos, microondas e mesas! Sim, todos os estudantes levam o almoço de casa, guardam-no num frigorífico e depois aquecem-no num microondas! Existe um ou outro restaurante, mas são caros!
  Quanto à parte social, os suecos deixam muito a desejar! Não há nada que chegue aos latinos! Somos muito mais alegres e bem dispostos! No laboratório onde estou nota-se perfeitamente a separação entre estrangeiros e suecos. Nota-se que, sempre que um estrangeiro precisa de ajuda, primeiro recorrem a outros estrangeiros, porque os suecos estão normalmente com cara de poucos amigos, e quando lhes perguntamos qualquer coisa a resposta é sempre a despachar! Há esta ideia do “desenrasca-te”, do “não tenho nada a ver com isso”, “é o teu trabalho, não é o meu”!
  A minha adaptação, no início, a toda esta frieza não foi nada fácil, e a juntar a isso nunca mais ter ouvido um “bom dia”, deu-me cabo do sistema! Eles não usam cumprimento matinal! Beijos também não há, é tudo corrido a um “shake hands”!
  A falta de sol foi outro dos grandes problemas na adaptação. Agora só amanhece lá para as 8.30 e fica noite cerrada às 14.30/15h. É horrível olhar por uma janela, ver noite cerrada, pensar que já devem ser horas de ir para casa, sentir a cansaço, olhar para o relógio e ver o ponteiro nas 3 da tarde sabendo que ainda faltam mais 6 horas de trabalho! Com as minhas entradas no laboratório às 6 da manhã e saídas às 9 da noite, andei semanas e semanas sem ver ponta de sol! Também na maioria dos dias ele nem aparece, porque está sempre encoberto! Mas também eles (suecos) sentem este cansaço inerente à falta de sol!
  Mas esta filosofia de “não quero saber dos outros” também tem o lado positivo, que é ninguém nos olha de cima a baixo para ver se estamos bem ou mal vestidos, se o cabelo está assim ou assado, se os sapatos combinam com a roupa, etc, etc. Eles não estão para aí virados! É tudo mais para o prático! E isso agrada-me!
  Pelo que tenho falado com alguns Portugueses que emigraram para lá, o nível de vida é bastante bom (pagam muitos impostos, mas têm um bom sistema de saúde e de educação) e, quanto ao frio, é uma questão de hábito!
  A cidade é maravilhosa, muito bonita e não se vêem casa velhas a cair, está tudo muito bem conservado, quer no centro quer na periferia! Esquecia-me de referir outro aspecto interessante, ou não. É o facto de os suecos, em geral, casarem muito cedo (23-25 anos) e aos 18 anos de idade sairem de casa. Quando perguntei a uns suecos qual a razão, disseram-me que a partir dos 18 anos de idade, a responsabilidade deixava de ser dos pais e passava a ser do Estado! E a prova disso é que os estudantes não pagam propinas e o Estado facilita empréstimos aos alunos para poderem ser independentes (inclusive arrendar casa). E normalmente só visitam os pais uma vez por mês! Como é possível?