18.10.08

Lobo Antunes e o jornal A Bola

O jornal A Bola tem para mim um valor simbólico. Nos meus tempos de criança e jovem, o acesso à leitura era incomparavelmente mais complicado que hoje. Talvez resida aí o seu valor. Um dos jornais que, religiosamente, lia era A Bola, a bíblia, como era chamada. Três vezes por semana, tantas quantas as edições, esperava ansiosamente o final da tarde e a chegada do meu pai. Corria a abrir a pasta de onde retirava o jornal. Lia-o detalhadamente, ora em cima de uma qualquer mesa, ora de cócoras, de joelhos, no chão. Sem a ditadura das televisões, os jogos de futebol ganhavam magia pela voz dos relatadores de serviço ou pelas crónicas de excelentes jornalistas. Via as jogadas, os dribles, as faltas, os golos através da escrita.
Hoje raramente compro um jornal desportivo. A qualidade da prosa diminuiu drasticamente, o futebol deixou de ser um desporto para passar a ser uma indústria. Mas hoje a minha Bola de antigamente surpreendeu-me. Trazia uma entrevista ao escritor Lobo Antunes. Por isso, a comprei e passeei com ela, de novo, debaixo do braço. E ler Lobo Antunes é sempre, para mim, um prazer. Conta episódios deliciosos, recorda momentos dramáticos. Por ora, transcrevo apenas um deles, o que envolve o nome de Barrigana, antigo guarda-redes do Futebol Clube do Porto.
Foi quando estava na tropa, em Malange. Foi aí que eu vi o grande Barrigana, que estava em África a treinar miúdos. E os miúdos puxavam por ele e gritavam : vai, Barrigana, anda Barrigana. E ele, muito sério, virava-se para os miúdos e dizia: Vai Barrigana, não. No plural, se faz favor: Senhor Barrigana!

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