Na Rota do Êxodo - Parte III
(continuação)
4. Uma das questões de maior controvérsia reside na avaliação dos professores. Não na sua determinação em serem avaliados, o que de resto já acontecia, mas na recusa em acolher um modelo que, por diversas incidências, já escalpelizadas por diversos especialistas, se revelou complexo, não-formativo e excessivamente burocrático. Mais uma vez a justificação pública do responsável pelo governo, seguiu a via do confronto e, num gesto populista inqualificável, deu a entender literalmente que os professores não eram avaliados e que era seu desígnio não se conformar com tal estado de coisas. Esforçou-se por fazer crer que a avaliação não era a nossa aspiração e, num gesto sem precedentes, cavalgou a onda, sempre que lhe foi possível, exercendo sobre a classe uma violência psicológica intolerável. Bastava tão-só ter referido que a avaliação de professores, expressa no anterior ECD, precisava de ser revista e, de forma simples e negociada, tinha evitado reincidir, denegrindo gratuitamente a imagem de milhares e milhares de professores que, à semelhança do que acontece com outras actividades, são profissionais competentes, dedicados e merecedores de respeito.
Hoje sabemos, até pela desinibição dos responsáveis do ME, que a avaliação dos professores há-de ter uns tantos efeitos mas, aquele que se deseja que tenha, será de carácter económico-financeiro: travar tanto quanto possível e necessário a progressão nas carreiras e, por essa via, poupar verbas significativas. Mas é com isto que o Primeiro-Ministro não se conforma? Mas é por aqui que passa a defesa e a qualidade da escola pública? Aqueles que se interessam pelo ensino, os que consideram a educação como um dos pilares estruturantes da sociedade, cedo perceberam – desde logo com a divisão da carreira e com o concurso para professores titulares – que não era a qualidade nem a dignificação da profissão, muito menos a qualidade da escola pública, que estavam em causa. A analogia com os militares e o exemplo com a sua mais alta patente, o general, foi um argumento infeliz, de mau gosto, falacioso (não se deve comparar o que não é comparável) e mais uma estratégia para denegrir a imagem da classe. Teríamos agora, por comparação espúria, uma classe vertical com soldados-professores, sargentos-professores, tenentes-professores e um ou outro general-professor. Será que, mesmo sem gráfico, é difícil compreender que se começa professor e que se termina na mesma função? E o que se exige a um professor no início, não é substancialmente idêntico ao que se lhe exige no fim da carreira?
Hoje percebemos que os critérios estabelecidos para aceder à figura de professor titular provocaram injustiças insuportáveis e insanáveis. Sabemos também que essas injustiças são exponenciais, tendo efeito directo no processo de avaliação, com disparidades de experiência, formação e graduação, inversamente repartidas por avaliadores e avaliados.
Bem podem argumentar que uma das nossas práticas mais comum, é avaliar. Concedemos. Contudo, professor e aluno têm estatutos diferentes. A autoridade do professor quando avalia, seguindo os normativos ético-legais, sai reforçada e não será afectada. Em contrapartida, uma avaliação por pares não deve ir além do carácter formativo; qualquer outra avaliação requer formação adequada, de nível superior, fundamentalmente em supervisão pedagógica. O que o Ministério está a disponibilizar/sugerir/impor, com elevados gastos financeiros e o sacrifício de muitos professores, graduados em avaliadores, salvaguardando uma ou outra situação em que alguma qualidade pontua, são acções que não passam de uma cosmética intensiva e de um arregimentar de consciências no sentido de eliminar resistências subjacentes a um modelo que, só por teimosia, continua a delapidar recursos, tempo e a pouca disponibilidade que existe para preparar as lições e dar atenção aos alunos.
Mas, a engrenagem comporta vícios de vária ordem que se atravessam neste modelo. Imagine-se que a formação, disponibilizada para avaliadores e para avaliadores por delegação de competência, se houver disposição para cumprir o CPA, e espaço no DR para publicar tanto nome, o ME, as DRE’s e tutti quanti, até os próprios avaliadores, ainda não se interrogaram sobre a questão de que sendo a avaliação universal e sendo eles opositores às quotas estabelecidas, para dois dos níveis de avaliação, pelo menos os avaliadores delegados, pelo facto de frequentarem acções de formação, restritas, por selecção restrita, seja qual for a qualidade das mesmas, isso não lhes dá vantagens no processo? Um outro vício assenta claramente no insustentável facto que coloca o avaliador e o avaliado na mesma situação, com funções diferentes: O avaliador concorre para as mesmas quotas do avaliado, sendo opositor e parte interessada no resultado do acto e, nessa circunstância, não há garantia nem de isenção, nem de imparcialidade. O artigo 44º do CPA (alíneas a. e d.) regula esta incidência. A manter-se a indefinição sobre esta matéria, é óbvio que a pergunta é inevitável: não há vergonha, não há moralidade, ou ambas?
Com este modelo as escolas vão entrar em estágio conflitual permanente e, à semelhança das OPTE, os professores vão repartir as suas preocupações entre o essencial: os seus alunos, e o acessório: a sua avaliação. Olhando o mundo à volta, até para desmistificar algumas informações, superiormente veiculadas, é preciso deixar claro que nenhum país da Europa tem algum modelo de avaliação que se aproxime sequer do que este governo tem em vigor (experimental). Nem o temível modelo do País de Gales! É preciso atravessar o Atlântico e, apenas na América Latina, especificamente no Chile, para encontramos algo semelhante, com periodicidade de 4 anos, carácter formativo e apenas três menções avaliativas. Mas sobre este modelo, não é tudo. A maior parte das escolas tem quatro super-coordenadores. Entre eles, como de resto entre todo o corpo docente, existem quotas de excelente e muito bom. Por agora, imagine-se apenas a mais que provável situação do avaliador receber menção de bom e atribuir a de excelente, tudo no mesmo departamento e até, na sua área disciplinar. Toda a gente imagina como vai ser o clima e como vai ser fácil e profícuo continuar a trabalhar no departamento e, não sendo nada connosco, a auto-estima do contemplado vai exercitar o sistema nervoso até à convulsão. Exagero? Talvez. O mesmo exercício pode viajar para uma qualquer turma, e como a avaliação é pública (e punitiva!), os vários intervenientes na comunidade educativa, por delicadeza, não retirarão daí qualquer incidência; o clima das escolas, se o modelo avançar, tem todos os ingredientes para propiciar algumas tempestades, sem que isso signifique qualquer melhoria das condições que permitem ensinar e aprender, bem pelo contrário. Aliás os estágios pedagógicos, com outra configuração, é certo, foram e são, à sua escala, pequenos laboratórios sociológicos, de onde se podem recolher antevisões para o que se avizinha. Olhando o processo, pelo que ele já permite vislumbrar, não admira que, sem critérios plausíveis (cada escola faz o que entende), sem defesa (as reclamações valem o que valem), sem formação adequada, sem bom-senso, tantas vezes sem vergonha, a aquilatar pelo que se vai conhecendo, muitos professores, excelentes professores, diga-se, não estão disponíveis para mais este exercício de humilhação, talvez programado para os empurrar do sistema, e aqui, parafraseando José Gil (Visão, 2. Out. 2008), antes que comece a interiorização da obediência (e, um dia, do amor á servidão), despedem-se do que mais gostam, em nome do que mais prezam: a dignidade."
Hoje sabemos, até pela desinibição dos responsáveis do ME, que a avaliação dos professores há-de ter uns tantos efeitos mas, aquele que se deseja que tenha, será de carácter económico-financeiro: travar tanto quanto possível e necessário a progressão nas carreiras e, por essa via, poupar verbas significativas. Mas é com isto que o Primeiro-Ministro não se conforma? Mas é por aqui que passa a defesa e a qualidade da escola pública? Aqueles que se interessam pelo ensino, os que consideram a educação como um dos pilares estruturantes da sociedade, cedo perceberam – desde logo com a divisão da carreira e com o concurso para professores titulares – que não era a qualidade nem a dignificação da profissão, muito menos a qualidade da escola pública, que estavam em causa. A analogia com os militares e o exemplo com a sua mais alta patente, o general, foi um argumento infeliz, de mau gosto, falacioso (não se deve comparar o que não é comparável) e mais uma estratégia para denegrir a imagem da classe. Teríamos agora, por comparação espúria, uma classe vertical com soldados-professores, sargentos-professores, tenentes-professores e um ou outro general-professor. Será que, mesmo sem gráfico, é difícil compreender que se começa professor e que se termina na mesma função? E o que se exige a um professor no início, não é substancialmente idêntico ao que se lhe exige no fim da carreira?
Hoje percebemos que os critérios estabelecidos para aceder à figura de professor titular provocaram injustiças insuportáveis e insanáveis. Sabemos também que essas injustiças são exponenciais, tendo efeito directo no processo de avaliação, com disparidades de experiência, formação e graduação, inversamente repartidas por avaliadores e avaliados.
Bem podem argumentar que uma das nossas práticas mais comum, é avaliar. Concedemos. Contudo, professor e aluno têm estatutos diferentes. A autoridade do professor quando avalia, seguindo os normativos ético-legais, sai reforçada e não será afectada. Em contrapartida, uma avaliação por pares não deve ir além do carácter formativo; qualquer outra avaliação requer formação adequada, de nível superior, fundamentalmente em supervisão pedagógica. O que o Ministério está a disponibilizar/sugerir/impor, com elevados gastos financeiros e o sacrifício de muitos professores, graduados em avaliadores, salvaguardando uma ou outra situação em que alguma qualidade pontua, são acções que não passam de uma cosmética intensiva e de um arregimentar de consciências no sentido de eliminar resistências subjacentes a um modelo que, só por teimosia, continua a delapidar recursos, tempo e a pouca disponibilidade que existe para preparar as lições e dar atenção aos alunos.
Mas, a engrenagem comporta vícios de vária ordem que se atravessam neste modelo. Imagine-se que a formação, disponibilizada para avaliadores e para avaliadores por delegação de competência, se houver disposição para cumprir o CPA, e espaço no DR para publicar tanto nome, o ME, as DRE’s e tutti quanti, até os próprios avaliadores, ainda não se interrogaram sobre a questão de que sendo a avaliação universal e sendo eles opositores às quotas estabelecidas, para dois dos níveis de avaliação, pelo menos os avaliadores delegados, pelo facto de frequentarem acções de formação, restritas, por selecção restrita, seja qual for a qualidade das mesmas, isso não lhes dá vantagens no processo? Um outro vício assenta claramente no insustentável facto que coloca o avaliador e o avaliado na mesma situação, com funções diferentes: O avaliador concorre para as mesmas quotas do avaliado, sendo opositor e parte interessada no resultado do acto e, nessa circunstância, não há garantia nem de isenção, nem de imparcialidade. O artigo 44º do CPA (alíneas a. e d.) regula esta incidência. A manter-se a indefinição sobre esta matéria, é óbvio que a pergunta é inevitável: não há vergonha, não há moralidade, ou ambas?
Com este modelo as escolas vão entrar em estágio conflitual permanente e, à semelhança das OPTE, os professores vão repartir as suas preocupações entre o essencial: os seus alunos, e o acessório: a sua avaliação. Olhando o mundo à volta, até para desmistificar algumas informações, superiormente veiculadas, é preciso deixar claro que nenhum país da Europa tem algum modelo de avaliação que se aproxime sequer do que este governo tem em vigor (experimental). Nem o temível modelo do País de Gales! É preciso atravessar o Atlântico e, apenas na América Latina, especificamente no Chile, para encontramos algo semelhante, com periodicidade de 4 anos, carácter formativo e apenas três menções avaliativas. Mas sobre este modelo, não é tudo. A maior parte das escolas tem quatro super-coordenadores. Entre eles, como de resto entre todo o corpo docente, existem quotas de excelente e muito bom. Por agora, imagine-se apenas a mais que provável situação do avaliador receber menção de bom e atribuir a de excelente, tudo no mesmo departamento e até, na sua área disciplinar. Toda a gente imagina como vai ser o clima e como vai ser fácil e profícuo continuar a trabalhar no departamento e, não sendo nada connosco, a auto-estima do contemplado vai exercitar o sistema nervoso até à convulsão. Exagero? Talvez. O mesmo exercício pode viajar para uma qualquer turma, e como a avaliação é pública (e punitiva!), os vários intervenientes na comunidade educativa, por delicadeza, não retirarão daí qualquer incidência; o clima das escolas, se o modelo avançar, tem todos os ingredientes para propiciar algumas tempestades, sem que isso signifique qualquer melhoria das condições que permitem ensinar e aprender, bem pelo contrário. Aliás os estágios pedagógicos, com outra configuração, é certo, foram e são, à sua escala, pequenos laboratórios sociológicos, de onde se podem recolher antevisões para o que se avizinha. Olhando o processo, pelo que ele já permite vislumbrar, não admira que, sem critérios plausíveis (cada escola faz o que entende), sem defesa (as reclamações valem o que valem), sem formação adequada, sem bom-senso, tantas vezes sem vergonha, a aquilatar pelo que se vai conhecendo, muitos professores, excelentes professores, diga-se, não estão disponíveis para mais este exercício de humilhação, talvez programado para os empurrar do sistema, e aqui, parafraseando José Gil (Visão, 2. Out. 2008), antes que comece a interiorização da obediência (e, um dia, do amor á servidão), despedem-se do que mais gostam, em nome do que mais prezam: a dignidade."
Jerónimo Costa
(Continua)
Etiquetas: avaliação de professores, educação, jerónimo costa
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