Natal
Fonte Luminosa,
Praça da República (Rossio)
Parto
venham ver o presépio: há pouca luz.
a figura do pai desapareceu.
despedaçou-o há dias um obus.
à mãe secou o leite. não comeu
mais do que umas raízes e algum lixo
já nem lágrimas tem para as desgraças,
não há vaca nem burro. nenhum bicho:
na azinhaga apodrecem as carcassas.
não virão os reis magos. não se engana
a agenda traficante que combina
o que pode valer a vida humana
em armamento e gramas de heroína.
no céu, mais um clarão de morte avança
de cauda tracejante que desponta.
nasceu estropiada uma criança.
e deus, se acaso existe, faz de conta.
Vasco Graça Moura, in Natal...Natais, oito séculos de poesia sobre o Natal,
Antologia de Vasco Graça Moura
Edição Millenium, Público, Lisboa 2005
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