28.12.06

(Re) Leituras

Miguel Torga





Nota biográfica:

Miguel Torga, pseudónio literário de Adolfo Coelho da Rocha, nasce em 12 de Agosto de 1907, em S. Martinho da Anta, concelho de Sabrosa, Trás-os-Montes. Filho de gente do campo, não mais se desliga das origens, da família, do meio rural e da natureza que o circunda. Mesmo quando não referidos, estão sempre presentes o Pai, a Mãe, o professor primário Sr. Botelho, as fragas, as serranias, a magreza da terra, o suor para dela arrancar o pão, os próprios monumentos megalíticos em que a região é pródiga.
Entra no Seminário, donde sai pouco depois.

Emigra para o Brasil em 1920. Trabalha na fazenda do tio, é a dureza da "capinagem" do café. O tio apercebe-se das suas qualidades. Paga-lhe ingresso e estudos no liceu de Leopoldina, onde os professores notam as suas capacidades.
Regressa a Portugal em 1925. Entra da Faculdade de Medicina de Coimbra. Participa moderadamente na boémia coimbrã. Ainda estudante publica os seus primeiros livros. Com ajuda financeira do tio brasileiro conclui a formatura em 1933.
Morre em 17 de Janeiro de 1995. Enterrado em S. Martinho da Anta, junto dos pais e irmã.
Nota bibliográfica:
Poesia:
1928 - Ansiedade
1930 - Rampa
1931 - Tributo
1932 - Abismo
1936 - O Outro Livro de Job
1943 - Lamentação
1944 - Libertação
1946 - Odes
1948 - Nihil Sibi
1950 - Cântico do Homem
1952 - Alguns Poemas Ibéricos
1954 - Penas do Purgatório
1958 - Orfeu Rebelde
1962 - Câmara Ardente
1965 - Poemas Ibéricos

Ficção
1931 - Pão Ázimo
1931 - Criação do Mundo
1934 - A Terceira Voz
1937 - Os Dois Primeiros Dias
1938 - O Terceiro Dia da Criação do Mundo
1939 - O Quarto Dia da Criação do Mundo
1940 - Bichos
1941 - Contos da Montanha
1942 - Rua
1943 - O Senhor Ventura
1944 - Novos Contos da Montanha
1945 - Vindima
1951 - Pedras Lavradas
1974 - O Quinto Dia da Criação do Mundo
1976 - Fogo Preso
1981 - O Sexto Dia da Criação do Mundo

Peças de Teatro:

1941 - Terra Firme e Mar
1947 - Sinfonia
1949 - O Paraíso
1950 - Portugal
1955 - Traço de União

Traduções:
Livros seus estão traduzidos para diversas línguas, algumas vezes publicados com um prefácio seu: espanhol, francês, inglês, alemão, chinês, japonês, croata, romeno, norueguês, sueco, holandês, búlgaro.
Prémios
1969 - Prémio do Diário de Notícias
1976 - Prémio Internacional de Poesia de Knokke-Heist.
1980 - Prémio Morgado de Mateus, ex-aecquo com Carlos Drummond de Andrade
1981 - Prémio Montaigne da Fundação Alemã F.V.S..
1989 - Prémio Camões
1991 - Prémio Personalidade do Ano.
1992 - Prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores.
1993 - Prémio da Crítica, consagrando a sua obra.
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" O mestre, encabado nos socos abertos e abafado no varino de surrobeco, sempre atido ao venha a nós, recebia-nos conforme a pingadeira.
- O senhor passou bem?
- Olá, seu pardal! Ainda agora?
- Trouxe uma cesta de batatas, que já entreguei à senhora Marquinhas, e demorei- me um migalho...
-Bem...Bem...Amanhã vê se desembelinhas essas pernas.

Quando a dúzia de ovos tardava, ou o fumeiro parecia esquecido, ele próprio lembrava a falta.
E até os mais pobres apareciam de saquitel ao ombro. Mas havia de dar, e dar...E o tom de acolhimento variava.

- E tu, meu figurão?
- Fui prender a burra...
- A burra tem as costas largas!


E tinha. Escarrapachado nela, todo eu era uma aleluia pela veiga fora, a entoar de fio a pavio a história rimada do João Soldado, que paralisava o Marreta, moído de trabalho nos Três Bicos. Parava o enxadão, encostava-se ao cabo, e ficava maravilhado a admirar os versos e a memória do recitador.

Era uma vez um rapaz
Bem nascido e mal fadado...

- Queres vir ganhar o dia, a cantar? - perguntava-me de brincadeira, quando lhe passava em frente.
- Não senhor. Tenho de ir para a escola.
- Pois é pena, porque te pagava bem!

O mestre é que não queria saber de devaneios.

- Por hoje, as coisas ficam por assim. Mas volta a repetir a façanha, e verás o que te acontece!"


Miguel Torga, in A Criação do Mundo,
D.Quixote, 2ª edição, 1999

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