24.5.07

Novas oportunidades

Assim, “falhamos a vida, menino!”

Impressionam os números da adesão ao programa governamental Novas Oportunidades: mais de 250 mil querem certificar-se com o ensino básico e cerca de 75 mil com o secundário. E mais impressiona se recordarmos que, há escassos meses, o tema foi destaque repetido na imprensa, após inquérito de âmbito europeu, por sermos os que menor disponibilidade manifestávamos para regressar à escola e menos valorizávamos a necessidade de formação ao longo da vida. Neste quadro, faz sentido perguntar: que terá acontecido, para tão grande mudança de atitude, em tão escasso tempo?

Da multiplicidade de factores que integram uma possível resposta, destaca-se o oportunismo e a leviandade com que se procura popularizar e facilitar o que suporia trabalho acrescido e sacrifício pesado. O decoro profissional aconselha a não descrever como, em muitos centros, meia dúzia de meses, a tempo parcial, chegam para certificar o conhecimento que exige, no quadro tradicional, cinco anos de escolaridade, a tempo integral. Para além desta rematada mistificação, será bom relembrar:

1. As Novas Oportunidades, que estes senhores tiraram da cartola com alarido, não são conceito recente, tão só rebaptismo duma iniciativa que remonta ao próprio Estado Novo. Lembram-se da “educação de adultos” e da “educação permanente”?
2. Se os adultos pretendem adquirir conhecimentos relevantes para as actividades profissionais que desempenham, não são os centros recém-criados, que se servem de forma preponderante dos recursos, das metodologias e dos professores das escolas do sistema tradicional de ensino, que responderão a tal desiderato. Todos sabemos porquê. Se a iniciativa visa um enriquecimento pessoal, de âmbito mais geral, designadamente um grau escolar, então, não há milagres: a maturidade e o esforço poderão compactar cinco anos em dois ou três, mas não, certamente, em poucos meses; se o conhecimento existe e só não está certificado, um exame sério será instrumento adequado. Mas é sórdido substituí-lo por tretas ridículas, para engrossar estatísticas que a todos enganam. E convirá sempre clarificar que certificar o conhecimento que um adulto tem em determinado momento da vida, tornando-o equivalente a um grau académico, supõe regras básicas a que nunca nos poderemos eximir, sem risco de profunda desonestidade. Quando se outorga um diploma de estudos básicos ou secundários a alguém, estamos a dizer à sociedade que esse indivíduo domina um conjunto de conhecimentos considerados absolutamente obrigatórios e um conjunto de outros que os complementam e que poderão ser diferentes, consoante percursos de vida também diferentes. Naturalmente que o saber acumulado por um canalizador pode e deve equivaler a outras aquisições da parte complementar de um currículo. Mas montar um bidé não equivale a resolver uma equação matemática, nem saber enviar um e-mail substitui a leitura de Os Maias. Parece óbvio, mas não está a ser.
3. Os novos centros (170) e os que se anunciam (230) são corolário de uma política que reduziu em cerca de 30 por cento o financiamento da rede que já existia e desprezou a competência de quem, há muito, estava no terreno, com pedagogias próprias para adultos, de resultados mais demorados.

4. Esta ânsia de queimar etapas e esta pressa de mudar indicadores que, sem qualidade, nada modificarão, não se fica por este nível. No superior alterou-se o regime de entrada para adultos sem o 12.º ano. Em nome da democratização, como se a posse de um curso universitário fosse um direito básico e universal, instituíram-se “regras que facilitem” o ingresso e mandou-se privilegiar, como critério de selecção, “a experiência profissional dos candidatos”. É provável que Mariano Gago não esteja preocupado com a interpretação destes comandos, que começa a ser feita por algumas instituições. Ao fim e ao cabo há que lhe reconhecer coerência, quando nos apontou o percurso escolar do primeiro-ministro como modelo. O marketing político e a propaganda desta “esquerda moderna” arregimentam muitos para as oportunidades com que Sócrates julga salvar a pátria e entrar na galeria dos reformadores. Mas resistem outros para, parafraseando o Ega de Os Maias, lhe dizer que, assim, “falhamos a vida, menino!”
Santana Castilho, Professor do ensino superior, in Público
(sublinhados nossos)

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1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Não labutas tu numa escola que acorre e reclama todos os CVRC´s possíveis?
Já alguma voz se "alevantou" e em voz alta bradou, nesse centro de saber, contra esta palhaçada e este faz de conta?

25/5/07  

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