20.5.07

A vitória de Sarkozy

Nicolas Sarkozy eleito, é altura de pedir contas. E não a ele. Raramente se viu uma opinião tão definitiva e errada sobre alguém. O facto de essa opinião ir no sentido do pêlo dos pedaços de asno caseiros levou a este Waterloo da formação de opinião. Construiu-se a convicção de que Sarkozy era um fascista, um racista. Eleito, a primeira semana já deu para ver.
Há meses, foi notícia a violência nos subúrbios de Paris. Jovens, filhos de imigrados, queimavam automóveis dos vizinhos. Centenas por dia. Excepto em manicómios, estes factos não costumam receber aplausos. É consensual que é imoral destruir os bens dos pobres (já restrinjo as vítimas aos pobres para ser mesmo consensual). Acontece, porém, que parte da opinião pública pode tornar-se manicómio se der jeito a alguns pedaços de asno. Sendo a culpa sempre da sociedade, arranja-se uma razão para que Ali, de 17 anos, queime o velho Simca de Hassan, de 38, trolha. Não se esqueçam do lamiré do poeta: "Dizem que o rio é violento, mas ninguém fala da violência das margens que o oprimem." Procurem-se, pois, as margens.
Em Outubro de 2005, o ministro do Interior Sarkozy foi a Argenteuil, nos subúrbios de Paris. Por acaso, nesses dias havia uma polémica em França sobre o voto dos imigrados e o campeão desse direito era Sarkozy. Mas esqueçam, não dá jeito. O ministro ia a pé e um grupo de jovens atirou-lhe pedras. Azar, ele não é cobarde. Em 1993, um bombista sequestrou vários miúdos numa escola primária. Sarkozy era porta-voz do Governo mas exigiu ser ele a ir parlamentar com o terrorista. Entrou na escola e libertou alguns reféns. História montada? Perguntem ao terrorista, que foi abatido pela polícia.
Bom, Argenteuil... Sarkozy passa por um prédio. Do 2.º andar, uma árabe grita-lhe: "Acabe com esta canalha." O ministro levantou a cabeça e disse: "Ah, está farta desta canalha?! Vou livrá-la dela." Não é isso a função do patrão dos polícias? Pois os pedaços de asno de todo o mundo colaram a Sarkozy esta versão: ele chamou canalhas aos jovens árabes. Perante a violência da margem, o rio da banlieue tornou-se violento, pôs- -se a queimar carros.
E foi assim que nos apresentaram Sarkozy. Fascista, racista. Se eleito, ele iria cuspir nos imigrados... Como um mandato é por cinco anos, os aldrabões adiariam a prova: vão ver, vão ver... Acontece que Sarkozy, entre os famigerados defeitos que tem, trabalha rápido. Balanço da 1.ª semana: o fascista deu como exemplo aos liceais um jovem herói comunista fuzilado pelo nazis; retrógrado, o seu Governo tem metade mulheres; sectário, nomeou vários socialistas; racista, fez porta-voz a ministra da Justiça, uma árabe. Os pedaços de asno tinham razão em não gostar dele. Sarkozy é um perigo para os pedaços de asno.
(Crónica de Ferreira Fernandes, in DN)

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