19.10.08

Pela imprensa...

Alberto Gonçalves, no DN, sempre directo.

"Documentos recentemente revelados sugerem que, em 1950, Milan Kundera denunciou à polícia comunista um compatriota que espiava para os EUA e que, graças à denúncia, passou 14 anos na prisão. A ser verdadeiro, o gesto, que Kundera nega, não se recomenda. Porém, talvez não justifique a indignação suscitada pelo episódio, inclusive em Portugal e inclusive em blogues da extrema-esquerda.É estranho que os checos se lembrem agora de remoer as simpatias dos intelectuais face ao invasor soviético, em geral conhecidas, breves e depressa tolhidas pelo arrependimento e pela perseguição. É estranhíssimo que os portugueses necessitem de ir a Praga, mesmo que metaforicamente, para lamentar vergonhas assim. O arremedo totalitário do PREC, fértil em missionários e delatores, nunca nos envergonhou. Muito pelo contrário. Por cá, um passado de serviços ao "gonçalvismo" praticamente garantiu a "intelectuais" e similares um futuro próspero e respeitabilidade social. De repente, lembro-me do poeta que, nos idos de 70, escrevinhava odes ao Companheiro Vasco ("Habitavas a terra, o comum da terra, e a paixão/era morada e instrumento de alegria."), e que, de castigo, levou depois com fundação e casa voltada para a foz do Douro. Ou da eminência literária que pedia "sangue burguês" e acabou, para lá da fundação e da casa da praxe, inchado de honras oficiais e vaidade. Ou da ama-seca de Cunhal que, a pretexto dos opúsculos que rabisca, alcançou a típica comenda do Dez de Junho.Mas quem procurar com jeitinho encontra igualmente vestígios do I Congresso de Escritores, em 1975, e do ardor religioso com que os seus membros receberam Vasco Gonçalves em carne, osso e divindade (a divindade disse-lhes: "Vós sereis uma força motora da revolução!"). E dos vultos da escrita, da pintura, da música, do teatro e do cinema nomeados para as Comissões Consultivas de um governo que ninguém elegera. E dos génios que, em manifestos públicos e golpes privados, conspiravam para destruir os colegas que exibiam desvios "burgueses" ou escassas credenciais "antifascistas". No Portugal revolucionário, felizmente escorraçado e curto, os Kunderas caseiros não faziam queixa à polícia: os polícias eram eles. E se o regime subsequente os mudou de posto, a prazo não lhes retirou as respectivas regalias, a que adicionou medalhas, subsídios e mimos diversos. Foi sensato? Provavelmente: caso a democracia tivesse dedicado aos bufos do comunismo o rancor que dedicou aos seus equivalentes "salazaristas", dois terços da classe "intelectual" e "artística" actual não existiriam. Saber se sentiríamos a sua falta é outra questão."

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2 Comments:

Blogger . fina flor . said...

o que importa, mesmo no final das contas é que o Kundera é um grande autor, né? :o)

beijos, querido e boa semana

MM.

20/10/08  
Anonymous Anónimo said...

Pena o autor não chamar os bois pelos nomes. Fica a dúvida se é real ou se não se trata de um texto de ficção.
Tirando as frases sobre Vasco Gonçalves que uma pesquisa rápida no google revelou serem de Eugénio de Andrade, os outros não os consegui identificar.
Tanta coragem mostrada merecia que não fosse apenas um grupo elitista iluminado a decodificar o que está escrito.

20/10/08  

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