16.10.08

Na Rota do Êxodo - parte II

"2. Por alturas da (inútil) discussão do grosseiro Estatuto da Carreira Docente (ECD), a responsável pela tutela haveria de, ufana, inaugurar as hostilidades:
-Perdi os professores, mas ganhei a população.
Definido o lado, não tardaram a surgir as consequências dos malefícios consolidados numas tantas agressões que, por efeito dos vasos comunicantes, juntaram pais e filhos na mesma contenda e com o mesmo alvo, servindo também para opor a tutela ao Procurador Geral da República. Numa tentativa de serenar (?!) os ânimos, o legislador produziu o Estatuto do Aluno (esquecendo a especificidade de alguns cursos da oferta formativa). Sujeito a aturada controvérsia, na AR, ainda assim, chegou às escolas pronto para fornecer aos estatuídos alunos mais uns tantos indícios de que a responsabilidade, o empenho e o esforço podem ser recompensados e, o seu contrário, também! O aluno falta? Falta muito? O professor, dentro do seu horário de 35 horas semanais, que em muitas circunstâncias tem já 40 ou 50 horas, elabora uma prova de recuperação e outra, e quantas forem necessárias até que o aluno – e o professor – se deixem vencer pelo cansaço e sigam em frente, para lado nenhum.
3. Numa tentativa de continuar a cair nas boas graças da população, do ME saíram as controversas actividades de substituição que foram tudo, até espaço para “umas graças”, tendo estabilizado na Ocupação Plena dos Tempos Escolares (OPTE). Apesar do equívoco do acrónimo – não se pode optar –!
Estas actividades não são mais do que aulas de substituição que, consubstanciando mais um abuso, são distribuídas na componente não-lectiva dos professores. São aulas, mas não são aulas! Escolas há – as das boas práticas, presume-se, que organizam estas actividades com tal parafernália de meios e tratamento estatístico, que esta invenção mais parece uma área disciplinar curricular, a que só falta atribuir classificação e diploma de mérito. Auscultando alunos e professores, não estaremos longe da verdade se considerarmos ser esta uma das variáveis responsável por um latente mal-estar no seio das comunidades educativas, sendo que, escapar de tal tarefa, é sempre motivo de contentamento. Mas os abusos não se ficam por aqui: dezenas de professores, por escola, ministram aulas de apoio a alunos com dificuldades ou necessidades educativas especiais. Essas aulas deveriam integrar a sua componente lectiva: são aulas! Mas, não é esse o entendimento da tutela: fazem parte da sua componente não-lectiva! Alguns professores – 4 na maior parte das escolas – são coordenadores de departamentos que acolhem mais de trinta professores. Com o anterior estatuto, beneficiavam de redução da componente lectiva; actualmente passam intermináveis horas na escola, serão (?) avaliadores, frequentam acções de formação específicas, por atacado, em horário pós-laboral, sem qualquer compensação ou redução.
A enorme pressão sobre o horário de trabalho dos professores, com uma multiplicidade interminável de tarefas, acrescida do não reconhecimento da especificidade da sua actividade profissional, está a aniquilar, antes de mais, o professor, sua vida pessoal e familiar, e a provocar danos irreversíveis na sua saúde, deteriorando a sua qualidade de vida. Aqui reside um dos factores determinantes que tem levado ingloriamente – e com grande prejuízo – ao abandono de muitos profissionais, alguns dos melhores, que eram felizes, zelosos e exímios cumpridores das suas obrigações, enquanto elas foram humanamente suportáveis. É um êxodo e uma sangria que, não merecendo da parte dos governantes uma única expressão de preocupação, permite-nos suspeitar fundadamente que este abandono precoce, de muitos dos melhores, faz parte de uma programação que terá muitos objectivos, fundamentalmente económicos, mas constitui um golpe na escola pública de qualidade e há-de hipotecar ainda mais o futuro das gerações que agoram se deslocam para a escola."
Jerónimo Costa
(Continua)

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